terça-feira, 27 de julho de 2010

Conselho Federal de Psicologia regulamenta atuação no Sistema Prisional


Mais uma baita colaboração do Blog do Prof. Salo de Carvalho:


RESOLUÇÃO CFP Nº 009/2010

Regulamenta a atuação do psicólogo no sistema prisional.



O CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, no uso de suas atribuições legais e regimentais, que lhe são conferidas pela Lei n° 5.766, de 20/12/1971;

CONSIDERANDO o disposto no Art. 6º, letra “c”, da Lei n° 5.766 de 20/12/1971, e o Art. 6º, inciso V, do Decreto n° 79.822 de 17/6/1977;

CONSIDERANDO que a Constituição Federal. em seu Art. 196, bem como os princípios e diretrizes preconizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), definem que a saúde é direito de todos e dever do Estado;

CONSIDERANDO as Regras Mínimas para Tratamento do Preso no Brasil (Resolução nº 14 de 11/11/1994), resultante da recomendação do Comitê Permanente de Prevenção do Crime e Justiça Penal da ONU, que estabelece em seu Art. 15 a assistência psicológica como direito da pessoa presa;

CONSIDERANDO publicação elaborada pelo Ministério da Justiça, Departamento Penitenciário Nacional (Depen) e o Conselho Federal de Psicologia (CFP): “Diretrizes para atuação e formação dos psicólogos do sistema prisional brasileiro”;

CONSIDERANDO que as questões relativas ao encarceramento devem ser compreendidas em sua complexidade e como um processo que engendra a marginalização e a exclusão social;

CONSIDERANDO que a Psicologia, como Ciência e Profissão, posiciona-se pelo compromisso social da categoria em relação às proposições alternativas à pena privativa de liberdade, além de fortalecer a luta pela garantia de direitos humanos nas instituições em que há privação de liberdade;

CONSIDERANDO os princípios éticos fundamentais que norteiam a atividade profissional do psicólogo contidos no Código de Ética Profissional do Psicólogo;

CONSIDERANDO que os psicólogos atuarão segundo os princípios éticos da profissão, notadamente aqueles que se fundamentam no respeito e na promoção da liberdade, da dignidade, da igualdade e da integridade do ser humano, conforme a Declaração Universal dos Direitos Humanos;

CONSIDERANDO o processo de profícua interlocução com a categoria, e com o objetivo de produzir referências técnicas para a prática profissional do psicólogo no sistema prisional;

CONSIDERANDO a necessidade de referências para subsidiar a atuação do psicólogo no sistema prisional e a produção qualificada de documentos escritos decorrentes de sua intervenção;

CONSIDERANDO decisão deste Plenário em reunião realizada no dia 18 de junho de 2010.



RESOLVE:

Art. 1º. Em todas as práticas no sistema prisional, o psicólogo deverá respeitar e promover:

a) Os direitos humanos dos sujeitos em privação de liberdade, atuando em âmbito institucional e interdisciplinar;

b) Processos de construção da cidadania, em contraposição à cultura de primazia da segurança, de vingança social e de disciplinarização do indivíduo;

c) Desconstrução do conceito de que o crime está relacionado unicamente à patologia ou à história individual, enfatizando os dispositivos sociais que promovem o processo de criminalização;

d) A construção de estratégias que visem ao fortalecimento dos laços sociais e uma participação maior dos sujeitos por meio de projetos interdisciplinares que tenham por objetivo o resgate da cidadania e a inserção na sociedade extramuros.

Art. 2º. Em relação à atuação com a população em privação de liberdade ou em medida de segurança, o psicólogo deverá:

a) Compreender os sujeitos na sua totalidade histórica, social, cultural, humana e emocional;

b) Promover práticas que potencializem a vida em liberdade, de modo a construir e fortalecer dispositivos que estimulem a autonomia e a expressão da individualidade dos envolvidos no atendimento;

c) Construir dispositivos de superação das lógicas maniqueístas que atuam na instituição e na sociedade, principalmente com relação a projetos de saúde e reintegração social;

d) Atuar na promoção de saúde mental, a partir dos pressupostos antimanicomiais, tendo como referência fundamental a Lei da Reforma Psiquiátrica, Lei n° 10.216/2001, visando a favorecer a criação ou o fortalecimento dos laços sociais e comunitários e a atenção integral;

e) Desenvolver e participar da construção de redes nos serviços públicos de saúde/saúde mental para as pessoas em cumprimento de pena (privativa de liberdade e restritiva de direitos), bem como de medidas de segurança;

f) Ter autonomia teórica, técnica e metodológica, de acordo com os princípios ético-políticos que norteiam a profissão.

Art. 3º. Em relação à atuação como gestor, o psicólogo deverá:

a) Considerar as políticas públicas, principalmente no tocante à saúde, assistência social e direitos humanos no sistema prisional, nas propostas e projetos a ser implementados no contexto prisional;

b) Contribuir na elaboração e proposição de modelos de atuação que combatam a culpabilização do indivíduo, a exclusão social e mecanismos coercitivos e punitivos;

c) Promover ações que facilitem as relações de articulação interpessoal, intersetorial e interinstitucional;

d) Considerar que as atribuições administrativas do cargo ocupado na gestão não se sobrepõem às determinações contidas no Código de Ética Profissional.

Art. 4º. Em relação à elaboração de documentos escritos:

a) Conforme indicado nos Art. 6º e 112º da Lei n° 10.792/2003 (que alterou a Lei n° 7.210/1984), é vedado ao psicólogo que atua nos estabelecimentos prisionais realizar exame criminológico e participar de ações e/ou decisões que envolvam práticas de caráter punitivo e disciplinar, bem como documento escrito oriundo da avaliação psicológica com fins de subsidiar decisão judicial durante a execução da pena do sentenciado;

b) O psicólogo, respaldado pela Lei n° 10792/2003, em sua atividade no sistema prisional somente deverá realizar atividades avaliativas com vistas à individualização da pena quando do ingresso do apenado no sistema prisional. Quando houver determinação judicial, o psicólogo deve explicitar os limites éticos de sua atuação ao juízo e poderá elaborar uma declaração conforme o Parágrafo Único.

Parágrafo Único. A declaração é um documento objetivo, informativo e resumido, com foco na análise contextual da situação vivenciada pelo sujeito na instituição e nos projetos terapêuticos por ele experienciados durante a execução da pena.

Art. 5º. Na atuação com outros segmentos ou áreas, o psicólogo deverá:

a) Visar à reconstrução de laços comunitários, sociais e familiares no atendimento a egressos e familiares daqueles que ainda estão em privação de liberdade;

b) Atentar para os limites que se impõem à realização de atendimentos a colegas de trabalho, sendo seu dever apontar a incompatibilidade de papéis ao ser convocado a assumir tal responsabilidade.

Art. 6º. Toda e qualquer atividade psicológica no sistema prisional deverá seguir os itens determinados nesta resolução.

Parágrafo Único – A não observância da presente norma constitui falta ético-disciplinar, passível de capitulação nos dispositivos referentes ao exercício profissional do Código de Ética Profissional do Psicólogo, sem prejuízo de outros que possam ser arguidos.

Art. 7º. Esta resolução entrará em vigor na data de sua publicação.

Art. 8º. Revogam-se as disposições em contrário.



Brasília, 29 de junho de 2010.

ANA MARIA PEREIRA LOPES

Conselheira-Presidente

domingo, 25 de julho de 2010

Ainda há esperanças: Polícia Comunitária pacifica enclaves no Rio


Por Humberto Trezzi
humberto.trezzi@zerohora.com.br


OUTUBRO DE 1994

Subo a Rua Mundo Novo, acesso ao Morro Dona Marta, zona sul do Rio, com o fotógrafo Ronaldo Bernardi. A intenção é verificar se criminosos circulam ostensivamente na região, já que essa é a alegação do Exército para uma ocupação no mês seguinte. Os bandidos nos enxergam antes. Ouço tiros, e galhos caem sobre nós. Escondidos, vemos a quadrilha em uma laje, com fuzis. Resolvemos ir embora. Era a segunda vez no dia que disparavam contra nós. A outra foi no Morro da Providência, onde Ronaldo fotografou bandidos armados.



JULHO DE 2010

Subo a mesma Rua Mundo Novo, um pouco receoso. A propaganda governamental é de que o Dona Marta está livre de bandidos. Logo constato que a situação mudou. Percorro de dia e à noite essa favela de 9 mil habitantes, de frente para o Pão de Açúcar e embaixo do Cristo Redentor. Não sofro abordagens por gente armada. Não encontro rapazes com radiocomunicadores. Ando por onde quero. Filmo sem restrições. No lugar de tiros, o som de um animado pagode, onde antes reinava, à noite, o silêncio imposto pelo medo.



Música: uma altertiva ao crime

O Dona Marta e sua comunidade, a Santa Marta, são apenas uma entre favelas do Rio que figuraram entre as áreas mais violentas do Brasil e vivenciam agora uma impressionante metamorfose. Os fuzis das três principais facções criminosas cariocas, que o país aprendeu a conhecer e temer, começaram a sumir da badalada Zona Sul. Deram lugar a Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) — à primeira vista, postos policiais reforçados. Na prática, muito mais que isso.

São compostos por PMs que interagem com a comunidade, mas que desta vez se instalaram acompanhados de outros servidores estatais, que garantem luz, água encanada, internet e até moradias para quem nunca teve esses confortos. Trocando em miúdos, a presença governamental nas vilas do Rio já não se limita às armas na mão. Isso torna possível caminhar do asfalto até o alto de alguns dos históricos morros da Cidade Maravilhosa sem que uma barreira de bandidos lhe intercepte o caminho. Para os cariocas, acredite, é a suprema novidade.

No Dona Marta, mandava o tráfico. Em 1987, os brasileiros assistiram, em horário nobre, a bandidos das quadrilhas de Zaca e Cabeludo, rivais que disputavam o monopólio das drogas nessa favela. As quadrilhas davam disputadas entrevistas coletivas, armas na mão, enquanto a comunidade ordeira debandava, com roupas nas costas, para fugir do confronto. Foi ali também que reinou, de 1992 a 1998, Márcio de Oliveira, o Marcinho VP ou Abusado, um dos mais famosos integrantes da mais notória facção criminosa do Rio, o Comando Vermelho, cuja vida rendeu um premiado livro do repórter Caco Barcellos.

No momento, o poder armado no Dona Marta é feminino e atua dentro da lei. Cabe à capitã PM Priscilla de Oliveira Azevedo, uma morena baixinha, evangélica e tímida, que montou, em novembro de 2008, e gerencia até hoje a primeira UPP da cidade. Ela é cumprimentada por cada morador, acaricia crianças, é escolhida como madrinha. A diferença em relação aos traficantes é que ela não ordena pena de morte para os que dela discordam. Até poucos anos, morador que falasse com PM no Dona Marta estava condenado ao exílio, na melhor das hipóteses, se não tivesse como destino uma execução em praça pública.

— É claro que existe o tráfico. Sempre vai existir, é uma questão histórica. Mas te desafio a encontrar alguém andando de arma na mão por aí. Esse tipo de situação já era — comenta Priscilla.


Moradores aceitam troca de comando

Apesar da seriedade com que fala do tema, a capitã Priscilla não mostra raiva dos bandidos. Até poderia, já que foi tomada de refém e hostilizada em Niterói, anos atrás, durante um assalto — assunto, aliás, que ela detesta abordar. Só escapou com vida do cativeiro porque estava sem documentos de PM e fugiu do carro, pulando.

A bem-sucedida experiência feminina no Dona Marta rendeu frutos. No início deste mês, acabou de assumir o comando da nona UPP do Rio a capitã Alessandra Veruschka Duarte Carvalhaes, 34 anos e 10 de PM. Ela vai comandar o Morro da Formiga, na Tijuca, zona norte carioca.

É possível perceber que os moradores toleram a expulsão dos traficantes porque são beneficiados na troca. O poder público chegou com tudo, como jamais o fez. No Dona Marta, instalou um bondinho que leva os moradores em 10 minutos do pé até o alto do morro, com paradas intermediárias. Montou um posto de saúde, uma creche, uma biblioteca e um posto policial, situado onde antes era o QG dos traficantes. Além de 50 casas de alvenaria, com promessa de aumentar esse número. A criançada tem ainda cancha de futebol e aulas de defesa pessoal ministradas por um PM.



Feijoada para os turistas

No Chapéu-Mangueira (Zona Sul), o Estado propicia cursos profissionalizantes a 700 pessoas. Ali se formam costureiros, garçons, guias turísticos. Moradores oferecem aos turistas feijoadas e um tour pela mata do morro. No bairro Cidade de Deus (Zona Oeste), o principal investimento é luz (R$ 2 milhões) e também uma escola profissionalizante.

A última novidade nas UPPs é o Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência (Proerd). Foram criadas cem vagas para crianças que desejam ter curso sobre como se prevenir das drogas. Uma situação quase idílica, para uma cidade em que o tráfico sempre representou importante papel na economia informal.



Samba contra o crime

Vieram do Rio Grande do Sul as mãos que ensinaram os primeiros acordes a crianças carentes do morro Dona Marta. Pierre Ávila, um ex-hippie nascido em Santa Maria, aficionado por cavaquinhos, violões, contrabaixos e cuícas, é o professor que leciona de graça para 60 alunos na favela.

Às terças, quintas e sábados, ele reúne a turma no resgate do samba de raiz. As aulas são na UPP e rente à laje usada de cenário para Michael Jackson gravar o clipe que deu fama mundial ao Dona Marta, They Don't Care About Us (Eles não ligam para a gente).

— Hoje eles ligam. Isso aqui melhorou 1.000% — compara Pierre.

O professor de música fala com a autoridade de quem vive há 20 anos no Rio. Ele lembra quando foi convidado por um amigo para morar ao pé do Dona Marta, em Botafogo. Achou barato o aluguel, adorou. Logo descobriu por quê. Num ensolarado domingo, foi acordado pelo incessante ribombar de tiros de metralhadora calibre .50 antiaérea, fuzis e pistolas, numa das cotidianas guerras do morro. Agora, comemora Pierre, tudo mudou. Prova disso é que ele desce e sobe há dois anos pelo bondinho, sem testemunhar tiroteios nesse período.


Presidente da Associação Comunitária do Santa Marta, Antonio Tota diz que o morro nunca viveu tanta paz.

— Também, com tanta obra. Lembro quando eram uns 700 degraus para subir, virou até música... A coisa está engrenando. Até o pessoal do asfalto tem vindo curtir um pagode e uma cervejinha — comemora.

Do outro lado do Rio, na emblemática Cidade de Deus — cenário de guerras fratricidas entre bandidos, retratadas no filme de Fernando Meirelles que leva o nome do bairro —, a música também une, hoje, moradores e policiais. O soldado PM Samuel Maia, um evangélico formado em piano, ensina a adolescentes e idosos as artes musicais. Na quarta-feira 14, ele dava aulas de teclado à estudante Anna Beatriz Moreira Alves, 16 anos, e à dona de casa Angelita Carvalho, 52 anos, em dois órgãos elétricos comprados pelo Estado para reforçar o entrosamento iniciado com a UPP. Angelita sonha alto.

— Sou cantora de bossa nova, mas falta dominar o instrumento. Assim que aprender todas as notas, vou tocar em bar e ganhar dinheiro. Espera e vai lá me assistir — desafia, com uma sonora gargalhada.


sexta-feira, 23 de julho de 2010

Direito de Defesa ameaçado - ABSURDO

A questão polêmica sobre a permissão de escutas nas conversas entre preso e defensor virou manchete principal da Folha de São Paulo (FSP) no dia 22/06/10.

Segundo a reportagem da FSP, existe um relatório elaborado pelo próprio governo que admite a instalação de equipamentos de gravação nos parlatórios, locais em que se realizam as conversas entre advogados e presos, em quatro penitenciárias federais do país.

Inclusive tal foi encontrado em pelo menos um caso, no presídio federal de segurança máxima de Campo Grande (MS), em que o governo gravou conversas entre os detentos e os profissionais que os defendem.

Os defensores dos direitos humanos e das garantias individuais se manifestaram, defendendo que a medida é inconstitucional, porque a Constituição assegura a inviolabilidade dessas conversas, para o exercício livre e pleno do direito de defesa.

De outra parte, o Ministério Público Federal investiga a instalação de equipamentos também nos locais para encontros íntimos da penitenciária.

O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcanti, questionou a possibilidade do uso dos aparelhos para gravação indiscriminada.

Para o advogado Ives Gandra Martins, a instalação de escutas pode trazer um grave problema: permite fazer a gravação antes e pedir autorização à Justiça depois.

Em documento à OAB, o Ministério da Justiça alega que os equipamentos são voltados para "segurança" e "inteligência" e que o uso não faz parte da rotina das penitenciárias. Ocorreu em "caráter excepcional" e com "autorização judicial".

O editorial da Folha, do dia 26/06/10, debateu o tema: “Pode o Judiciário autorizar escutas das conversas entre presos e seus advogados?”.

Alberto Zacarias Toron, Doutor em Direito pela USP, advogado e ex-presidente do IBCCRIM, foi taxativo ao dizer que o sigilo dessas conversas é essencial para o Estado de Direito. “(...) O dever de sigilo imposto a profissionais como advogados, médicos, psicólogos e sacerdotes resguarda a intimidade do cliente. No caso específico dos advogados, porém, há algo tão ou mais importante do que isso: a própria correção da administração da Justiça está em causa. Em outras palavras, o direito ao devido processo legal não se realiza se não houver liberdade e segurança na privacidade da conversa, de modo que o investigado ou acusado possa se manifestar com franqueza e sem temores, o que, convenha-se, é essencial ao pleno exercício do direito de defesa. (...) Sobre o tema, o Tribunal de Primeira Instância da União Europeia afirmou: ‘O princípio da confidencialidade das comunicações entre advogados e clientes constitui um complemento necessário ao pleno exercício dos direitos de defesa’, pois ‘responde à exigência de que todo cidadão deve ter a possibilidade de se dirigir com toda a liberdade ao seu advogado’.”, defende Toron.

Por outro lado, Ricardo de Castro Nascimento, juiz federal, e presidente da Ajufesp - Associação dos Juizes Federais de SP e MS e vice-presidente para a 3° Região da Ajufe - Associação dos Juizes Federais do Brasil, defende que não há problema em existir as escutas, desde que a gravação seja previamente autorizada por um juiz competente.

Segundo ele, “(...) O problema não está na existência dos equipamentos, mas no seu uso sem autorização judicial. Façamos um paralelo com as escutas telefônicas: elas são permitidas por lei e só podem ser realizadas por ordem judicial. As escutas clandestinas é que são ilegais. Nessas hipóteses, é preciso apurar a origem da gravação clandestina e punir os culpados, mas isso não pode servir de pretexto para questionar a existência do sistema de gravação. (...) O poder público tem o direito e o dever de dispor de toda a tecnologia permitida pela legislação para combater a criminalidade, mas isso não significa que irá usá-la indiscriminadamente.”.

O juiz federal relata um caso de Mato Grosso do Sul, no qual a possibilidade de ouvir a gravação da conversa entre o detento e advogado, permitiu as autoridades policiais descobrirem um plano para seqüestrar o filho do Presidente. É um fato que pode justificar a violação de uma garantia constitucional? Cabe ao Judiciário determinar quando pode ou não ser violado? A existência das escutas em si já viola o direito de defesa?

Para responder esses questionamentos, não podemos esquecer do nosso passado antidemocrático e de torturas, passado que nos assombra. A solução para a segurança pública não está na instalação de um Estado policialesco. Razão assiste ao jurista Miguel Reale Júnior quando afirma que “o preço da liberdade é o eterno delito”.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Direitos Fundamentais e afastamento de delegada no caso midiático Elisa Samudio

Veja abaixo comentário do Presidente da Comissão Especial de Defesa dos Direitos e Garantias Fundamentais do IBCCRIM, Rafael S. Lira, sobre o caso envolvendo o goleiro flamenguista:



É ponto em prol dos Direitos e Garantias Fundamentais!



Em 19 de julho, por determinação do chefe de Polícia Civil de Minas Gerais, Delegado Marco Antonio Monteiro, a Delegada A. W. foi afastada do inquérito que apura a responsabilidade sobre o desaparecimento de E. S.



Segundo notícias divulgadas na internet, a decisão foi tomada após divulgação indevida na mídia televisiva, por parte da Delegada, de um vídeo gravado durante a escolta do suspeito preso provisoriamente. A substituição foi feita após longa reunião sobre os prejuízos do vazamento de informações sigilosas. O inquérito será, a partir de agora, presidido pelo Delegado E. M., chefe do Departamento de Investigações.



Nem bem “esfriaram” os episódios do julgamento do caso da criança atirada da janela e do homicídio da jovem Advogada, a mídia sensacionalista já estréia outra novela de grande audiência, agora sobre um goleiro de clube famoso envolvido no desaparecimento de uma ex-namorada.



É verdade: são casos diferentes, com personagens diversas e requintes de crueldade cada vez mais acurados, mas estão sempre lá – o que é uma pena – as entrevistas cedidas pelas autoridades envolvidas nesses casos, as quais têm a obrigação legal de zelar pelo fiel cumprimento dos Direitos e Garantias Fundamentais dos investigados.



No tocante às referidas entrevistas, não raras vezes “escapam” detalhes sigilosos da investigação, como por exemplo, os nomes dos suspeitos, endereços de suas residências e até mesmo vídeos com imagens obtidas sem autorização do investigado, enquanto é escoltado pela polícia.



Vale dizer que os efeitos decorrentes dessas informações – indevidamente divulgadas – causam prejuízos de difícil reparação, senão irreparáveis, aos investigados dos inquéritos ou réus dos processos, em razão do clamor público causado pela mídia.



Não se questiona o status de princípio fundamental inerente à liberdade de imprensa; no entanto, detêm o mesmo status, a presunção de inocência, a Intimidade, honra e imagem das pessoas, etc. É certo que nenhum desses Direitos e Garantias Fundamentais pode ser anulado em função de outros, cabendo aos profissionais do Direito sopesá-los e aplicá-los, ainda que de forma limitada. E nesse balanço, não há espaço para vaidades!





Rafael S. Lira

Presidente da Comissão Especial de

Defesa dos Direitos e Garantias Fundamentais do IBCCRIM

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Dicas de bons filmes assistidos I

Amigos,

depois que descobri por indicação do Marco Bonito(encarando pela primeira vez o vento minuano de São Borja) os programas bs player e utorrent(se pode baixá-los gratuitamente no http://www.baixaki.com.br/), somado a aquisição de uma TV LED 47 polegadas, redescobri verdadeiramente o cinema de qualidade. Ainda mais, se considerarmos que o cinema em Passo Fundo quase só serve para acompanhar a querida afilhada Lauren no Shrek 3, e obviamente não em 3D.

E a questão não é pirataria, mas qualidade mesmo, além de que a maioria dos bons filmes são lançados na Europa e só depois é que chegam ao Brasil. Com estes programas tenho conseguido ver tudo, com ajuda da tradução dos nossos colonizadores de além-mar. E aqui colocarei algumas dicas aos que gostam da sétima arte.


Então vamos começar por esse final de semana!


UNTHINKABLE

Trama:
“Em algum lugar dos Estados Unidos, há três armas nucleares que estão para detonar. Younger (Michael Sheen) escoundeu os aparelhos e as autoridades do FBI dirigidas pelo agente Brody (Carrie-Anne Moss) com a ajuda de H (Samuel L. Jackson), um especilista em interrogatórios, devem encontrá-las antes de o tempo expirar. Até que ponto eles conseguirão a informação necessária para desarticular o unthinkable?”

Unthinkable de fato é um filme intenso. E tanto Michael Sheen como Samuel L. Jackson desenvolvem um papel espetacular, ancorado também pela boa perfomance de Carrie-Anne Moss.

Mesmo com a necessidade de filtragem pelo telespectador, quanto a paranóia americana pós 11 de setembro, é muito interessante a abordagem sobre o bem e o mal, além extraordinária reflexão sobre o interrogatório(e aqui leia-se produção de provas) como forma extrema e autorizadora da tortura para se chegar a resultados. De forma indireta lança questionamentos sobre o tratamento dado atualmente ao direito penal do terror.

Vale a pena, apesar é claro do caricaturismo hollywoodiano em alguns momentos.


TRIAGE

Outra trama muito boa e com uma temática parecida com a película anterior. Se tratam de dois fotógrafos americanos que trabalham apenas com abordagens de guerras. Deixando as duas esposas nos EUA, partem para o Curdistão e lá presenciam em seus registros toda a face horrorizante da guerra entre curdos, turcos e iraquianos. E de lá trazendo todos os traumas. Com grande atuação de Collin Farrell, o filme fica ainda melhor com a competência e beleza de Paz Vega. Mas bom mesmo foi ver a performance do eterno Drácula, ídolo da minha infância, Cristopher Lee.

Como o filme se passa em 1988, é muito interessante a abordagem sobre o papel dos EUA no fomento a guerra no Oriente Médio(em especial), além do fato de que a esposa(Paz Vega) do protagonista é espanhola, pedindo ajuda a seu avô, psiquiatra dos tempos da Ditadura de Franco. Vale assistir e refletir.  

Justiça de São Paulo encaminha dependentes para clínicas particiculares

Recente decisão liminar de um juiz de São Carlos determinou que os dependentes químicos da cidade devam ser encaminhados para realizar tratamento em clínicas particulares especializadas. No caso, trata-se de ação civil pública proposta pela Defensoria e Ministério Público e que também impede a transferência dos dependentes para o Hospital Psiquiátrico Espírita Cairbar Schutel, em Araraquara, o qual não possui recursos necessários para o tratamento completo dos usuários, apenas para a fase inicial de reabilitação.



O defensor público do caso, Danilo Silva de Oliveira, explica que é mais interessante que o estado e o município paguem um tratamento de reabilitação desses dependentes em clínicas particulares, que os encerrem em uma prisão. Já o juiz que concedeu a liminar, Sidnei Cerminaro, entende que a ação "traz em si complexa situação de drama social com repercussão na justiça criminal". Ademais, apontou que na Lei de Drogas há um artigo sobre a necessidade de que "poder público coloque à disposição dos usuários de drogas, gratuitamente, estabelecimentos de saúde, para tratamento especializado".



Assim, tal decisão atende ao escopo da Lei de Drogas, que é sanar um problema de saúde pública, e não um recrudescimento no tratamento jurídico dos dependentes. Desse modo, deve-se observar as reais necessidades dos usuários, a fim de conceder-lhes um tratamento adequado e não mero confinamento em uma cadeia.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Turismo simulador de sequestro: essa é demais

Amigos,


o pior é que a notícia abaixo não me surpreende. O fascínio pela vitimização é tão presente na nossa sociedade atual, que as pessoas(doentes é bem verdade) desejam "gozar" atavés destas possibilidades. Já perdi a tempos a percepção de que vi tudo. Morrerei e não verei nem um terço.


Vida longa aos estudos sérios de criminologia.


Luiz Fernando



Nada de cruzeiros românticos, ou de hotéis de luxo. De acordo com a empresa francesa Ultime Réalité, o futuro das agências de viagem pode estar nas simulações de sequestro. A idéia foi divulgada na conferência Tourism Futures, que aconteceu em Brisbane, Austrália.




"Agora que a Virgin Galactic está com esperanças de levar os seus primeiros passageiros para o espaço no começo de 2012, estes tipos de ideias criativas estão com potencial de virar realidade", alegou Craig Shim, gerente de marketing da Tourism Queensland, que defende a ideia da empresa.



A companhia já oferece aos seus clientes o pacote com sequestros simulados - a pessoa paga, mas não sabe como, onde e o que vai acontecer. O sequestro pode durar de 4 a 10 horas e a pessoa pode esperar sérias torturas psicológicas.



"Isso permite ter a experiência do terror da coisa real", afirma a companhia, que cobra cerca de R$ 2,6 mil.



Em seu saite, a empresa diz estar consciente da natureza excessiva das atividades propostas ou encomendadas pelos clientes e agir dentro da estrita legalidade, nada fazendo caso o consumidor não expresse plena aceitação. (Com informações do Spintravel).

http://www.ultimerealite.fr/

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Caso Bruno ou caso Elisa? Reflexões sobre a violência contra a mulher. Contribuição do amigo Prof. Salo

Patriarcado da Violência

Debora Diniz - Antropóloga e Professora da UnB



A brutalidade não é constitutiva da natureza masculina, mas um dispositivo de uma sociedade que reduz as mulheres a objetos de prazer e consumo dos homens



Eliza Samudio está morta. Ela foi sequestrada, torturada e assassinada. Seu corpo foi esquartejado para servir de alimento para uma matilha de cães famintos. A polícia ainda procura vestígios de sangue no sítio em que ela foi morta ou pistas do que restou do seu corpo para fechar esse enredo macabro. As investigações policiais indicam que os algozes de Eliza agiram a pedido de seu ex-namorado, o goleiro do Flamengo, Bruno. Ele nega ter encomendado o crime, mas a confissão veio de um adolescente que teria participado do sequestro de Eliza. Desde então, de herói e "patrimônio do Flamengo", nas palavras de seu ex-advogado, Bruno tornou-se um ser abjeto. Ele não é mais aclamado por uma multidão de torcedores gritando em uníssono o seu nome após uma partida de futebol. O urro agora é de "assassino".



O que motiva um homem a matar sua ex-namorada? O crime passional não é um ato de amor, mas de ódio. Em algum momento do encontro afetivo entre duas pessoas, o desejo de posse se converte em um impulso de aniquilamento: só a morte é capaz de silenciar o incômodo pela existência do outro. Não há como sair à procura de razoabilidade para esse desejo de morte entre ex-casais, pois seu sentido não está apenas nos indivíduos e em suas histórias passionais, mas em uma matriz cultural que tolera a desigualdade entre homens e mulheres. Tentar explicar o crime passional por particularidades dos conflitos é simplesmente dar sentido a algo que se recusa à razão. Não foi o aborto não realizado por Eliza, não foi o anúncio de que o filho de Eliza era de Bruno, nem foi o vídeo distribuído no YouTube o que provocou a ira de Bruno. O ódio é latente como um atributo dos homens violentos em seus encontros afetivos e sexuais.



Como em outras histórias de crimes passionais, o final trágico de Eliza estava anunciado como uma profecia autorrealizadora. Em um vídeo disponível na internet, Eliza descreve os comportamentos violentos de Bruno, anuncia seus temores, repete a frase que centenas de mulheres em relacionamentos violentos já pronunciaram: "Eu não sei do que ele é capaz". Elas temem seus companheiros, mas não conseguem escapar desse enredo perverso de sedução. A pergunta óbvia é: por que elas se mantêm nos relacionamentos se temem a violência? Por que, jovem e bonita, Eliza não foi capaz de escapar de suas investidas amorosas? Por que centenas de mulheres anônimas vítimas de violência, antes da Lei Maria da Penha, procuravam as delegacias para retirar a queixa contra seus companheiros? Que compaixão feminina é essa que toleraria viver sob a ameaça de agressão e violência? Haveria mulheres que teriam prazer nesse jogo violento?



Não se trata de compaixão nem de masoquismo das mulheres. A resposta é muito mais complexa do que qualquer estudo de sociologia de gênero ou de psicologia das práticas afetivas poderia demonstrar. Bruno e outros homens violentos são indivíduos comuns, trabalhadores, esportistas, pais de família, bons filhos e cidadãos cumpridores de seus deveres. Esporadicamente, eles agridem suas mulheres. Como Eliza, outras mulheres vítimas de violência lidam com essa complexidade de seus companheiros: homens que ora são amantes, cuidadores e provedores, ora são violentos e aterrorizantes. O difícil para todas elas é discernir que a violência não é parte necessária da complexidade humana, e muito menos dos pactos afetivos e sexuais. É possível haver relacionamentos amorosos sem passionalidade e violência. É possível viver com homens amantes, cuidadores e provedores, porém pacíficos. A violência não é constitutiva da natureza masculina, mas sim um dispositivo cultural de uma sociedade patriarcal que reduz os corpos das mulheres a objetos de prazer e consumo dos homens.



A violência conjugal é muito mais comum do que se imagina. Não foi por acaso que, quando interpelado sobre um caso de violência de outro jogador de seu clube de futebol, Bruno rebateu: "Qual de vocês que é casado não discutiu, que não saiu na mão com a mulher, né cara? Não tem jeito. Em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher". Há pelo menos dois equívocos nessa compreensão estreita sobre a ordem social. O primeiro é que nem todos os homens agridem suas companheiras. Embora a violência de gênero seja um fenômeno universal, não é uma prática de todos os homens. O segundo, e mais importante, é que a vida privada não é um espaço sacralizado e distante das regras de civilidade e justiça. O Estado tem o direito e o dever de atuar para garantir a igualdade entre homens e mulheres, seja na casa ou na rua. A Lei Maria da Penha é a resposta mais sistemática e eficiente que o Estado brasileiro já deu para romper com essa complexidade da violência de gênero.



Infelizmente, Eliza Samudio está morta. Morreu torturada e certamente consciente de quem eram seus algozes. O sofrimento de Eliza nos provoca espanto. A surpresa pelo absurdo dessa dor tem que ser capaz de nos mover para a mudança de padrões sociais injustos. O modelo patriarcal é uma das explicações para o fenômeno da violência contra a mulher, pois a reduz a objeto de posse e prazer dos homens. Bruno não é louco, apenas corporifica essa ordem social perversa.



Outra hipótese de compreensão do fenômeno é a persistência da impunidade à violência de gênero. A impunidade facilita o surgimento das redes de proteção aos agressores e enfraquece nossa sensibilidade à dor das vítimas. A aplicação do castigo aos agressores não é suficiente para modificar os padrões culturais de opressão, mas indica que modelo de sociedade queremos para garantir a vida das mulheres.

Filme: O Segredo dos teus olhos, por Alexandre Wunderlich


El Secreto de Sus Ojos: quatro leituras sobre a paixão

Alexandre Wunderlich - Professor de Direito Penal na PUCRS

Abaixo segue extraordinária análise do meu irmão Xande Wunderlich sobre esta espetacular película argentina e ganahadora do oscar. Assisti-la criticamente é prazeroso e obrigatório.

Luiz Fernando



O Segredo dos Seus Olhos, drama romântico-policial dirigido por Juan José Campanella (Argentina-Espanha/2009), adaptado do romance La pregunta de sus ojos, de Eduardo Sachari.

O filme

Benjamín Espósito (Ricardo Darín) é uma espécie de secretário de diligências do Ministério Público, com atuação no Juízo Penal, que acaba de se aposentar. Longe da cena judiciária, Benjamín decide escrever um livro sobre um caso de homicídio ocorrido há mais de vinte anos. De início, procura a sua antiga chefe, a Doctora Irene Menéndez Hastings (Soledad Villamil), que, nos dias atuais, representaria a Promotoria de Justiça — o filme transcorre em 1974, quando o MP não tinha a configuração atual.

Durante anos, “Benja” atuou ao lado da polícia judiciária nas investigações de crimes. O prestativo agente contava com o apoio de Pablo Sandoval (Guillermo Francella), fiel amigo e colega de cartório judicial. Sandoval é o retrato do típico burocrata (aparentemente) feliz. Funcionário público sem compromisso, simpático e sorridente, encontra na garrafa a razão de seu viver. Para fugir do trabalho, atende ao telefone da repartição, dizendo: ” banco de espermas, setor de doações”.

Procurada, e a fim de auxiliar na escrita do livro, Irene entrega para Benjamín uma antiga máquina de datilografar. Nesse momento, uma rápida frase passa desapercebida para o público leigo. Irene, ao retirar a máquina cheia de poeira de um armário da Corte Penal, declara:” – vai ajudar a escrever, mas deve ser do tempo do caso ‘Petiso Orejudo’”. Refere-se ao famoso caso que data do início do século passado, que é citado por inúmeros criminólogos, do sujeito desajustado desde a infância. A bela Irene fez uma blague com Benjamín, porém o público não tem a obrigação de entender tudo isso.

É nesse contexto que Benjamín inicia a redação de sua novela. Recorda-se, então, do crime bárbaro em que trabalhou, isto é, um violento estupro, seguido de morte. A jovem e bonita vítima era casada com Ricardo Morales (Pablo Rago), a quem Benjamín, diante do visível sofrimento experimentado pelo viúvo, promete prisão perpétua para o culpado.

Duas décadas depois do homicídio, Benjamín Espósito reconstrói o iter criminis: narra como procedeu a apuração dos fatos, o processo e o cumprimento da pena do acusado até a sua inexplicável liberação.

O recorte sobre a investigação prossegue e o roteiro leva o assistente ao passado e ao presente com leveza e rapidez. Ao tempo que reconstrói a história do crime e do processo, tempera o romance com fatos do dia-a-dia contemporâneo.

Fora o excelente drama romântico-policial que fascina a qualquer um — sobretudo quem atua nas Ciências Criminais e quem conhece um pouco da Justiça Penal —, o que me motiva a escrever é sobre a paixão que movimenta o filme ou, ainda, sobre as paixões possíveis que dão cor aos caminhos das pessoas.

A narrativa é, por si só, muito apaixonante e remete ao mundo das paixões de diversas formas e perspectivas — este é o ponto que me interessa.



Paixão 1ª

A localização do autor do delito resolve-se a partir do encontro das cartas do homicida foragido para a sua mãe, em que são citados inúmeros nomes que a princípio nada dizem. Depois, vê-se que são nomes de jogadores de futebol que marcaram a história do “clube do coração” do assassino.

Surge, aqui, a paixão como fanatismo, a paixão clubística. O filme é marcado por uma cena impactante dentro de um estádio, em um jogo do Racing Club. A cena transmite com exatidão a realidade de uma torcida de futebol — é impressionante. O significado que se extrai, nas palavras de Sandoval, é que aquele é um homem, capaz de mudar tudo, mas não muda a sua paixão pelo clube de futebol – muda de rosto, muda de mulher, muda de cidade, muda de trabalho, mas não muda de time; é paixão!



Paixão 2ª

Mas não é só isso. Sandoval, mesmo diante da mira de um revólver, fiel e leal ao amigo Benjamín — é verdade que não tinha muito a perder na vida —, quando indagado qual é o seu nome e se era de fato Benjamín, silencia, vindo a falecer no lugar de seu amigo.

O que se tem, agora, é paixão e desapego. Paixão, pelo bom amigo, que passa o filme sempre pronto para ajudá-lo; desapego, por sua vida desregrada e marcada pelo álcool. Mais do que nunca, reside aqui a paixão de um amigo pelo outro, capaz de levar à morte.



Paixão 3ª

Outra paixão é a do viúvo por sua esposa assassinada. Passam-se os anos e o homem segue na luta por Justiça — na verdade, sedento por Justiça. Passa o tempo e o assassino não cumpre a pena. Isso se deve a inúmeras razões, especialmente aquelas que sempre acabam por definir o Estado, ainda no tempo das ditaduras, como inoperante, ineficaz e, sobretudo, injusto.

A paixão do viúvo leva à paixão por Justiça. Diante da injustiça, da ausência do Estado, o justo é fazer o assassino cumprir a pena – seja de qualquer maneira. O viúvo torna-se carcereiro e consegue, então, manter o assassino preso em uma cela, especialmente preparada, na fazenda onde reside.

Enfim, o condenado cumpre a sua pena — aqui, o silêncio é a tortura. A leitura é a seguinte: onde não autuou o Estado, atuou o homem. Vale frisar, contudo, que o viúvo é um homem apaixonado, não um homem sem paixão. É um homem capaz de romper os limites e buscar a sua forma particular de fazer Justiça. Há, aqui, a paixão por vingança e por Justiça que, mesmo passados os anos, ainda impera no seu coração.



Paixão 4ª

Entretanto, a paixão essencial que move a narrativa é outra: diz respeito a Benjamín e a Irene. Ambos trabalharam juntos por mais de 20 anos. Entre olhares e gestos reveladores que não conseguem ocultar os pensamentos íntimos, eles passaram a vida em distância: perto-longe; juntos-separados. Ele acompanha o casamento dela com um sujeito que tem mais de cinco sobrenomes. Há uma passagem no filme que, diante dela, Benjamín é humilhado por um policial inescrupuloso – “você não é para ela”!

Eram contextos diferentes. Durante muitos anos, ele soube o seu lugar. Ficou assistindo à vida passar. Sozinho. Ela casou e teve filhos. E depois de vinte e cinco anos, aquela paixão não se apagou. Estava acesa. Não sucumbiu. Não era algo que o tempo pudesse abafar. Bastava um olhar... Uma palavra... O filme apresenta esta paixão impossível que, ao final, acaba por tornar-se uma realidade.

Então, o que o filme me trouxe como espectador? Que as grandes ações exigem paixão. Que não existe uma racionalidade pura. Que não se pode mudar a ordem natural das coisas sem paixão. Que talvez as grandes mudanças de uma vida ocorrem em razão da paixão. Afinal, boas e más paixões levam às boas e às más mudanças.

Uma paixão pode ser aguda e violenta, pode ser duradoura e profunda. Paixões em suas inúmeras formas, cores e cheiros. Mas, afinal, o que motiva o ser humano para além da paixão? O que faz o homem caminhar? Nada além da paixão. A paixão pelo clube. A paixão que leva ao crime e que leva à morte. A paixão patológica. A paixão por justiça, que é paixão de se buscar. A paixão por amor, que é paixão de felicidade ou de sofrimento. Não se pode, de nenhuma forma, viver sem paixão. Já dizia o poetinha "Ser feliz é viver morto de paixão."

Ação penal é anulada por falta de descrição de crimes

"A falta de especificação dos fatos criminosos, com todas as circunstâncias, tal como exigido pela Lei Processual Penal, impede o exercício mínimo da ampla defesa." Ao reafirmar esse entendimento, a 5ª Turma do STJ anulou ação penal movida contra funcionária de uma penitenciária que entrou em presídio com carregador de celular para ser entregue a um detento.

Lotada no setor de enfermagem, a servidora foi condenada por corrupção passiva a cinco anos e quatro meses de reclusão, em regime fechado, e ainda perdeu o cargo público. Seu pedido de trancamento da ação penal foi rejeitado pela 15ª Câmara do 7º Grupo da Seção Criminal do TJ de São Paulo.

No habeas corpus ajuizado no STJ, a defesa alegou que a acusação é inepta, pois não descreve qual seria a vantagem indevida prometida ou recebida pela acusada, limitando-se a afirmar que a denunciada contrariou o dever funcional "ao receber ou aceitar promessa de vantagem pecuniária, em troca do transporte do carregador de telefone celular para o interior da penitenciária".

Segundo o relator, ministro Jorge Mussi, nos termos da denúncia percebe-se a inexistência de uma descrição mínima da conduta atribuída à paciente, uma vez que o Ministério Público não especifico ou descreveu como e qual vantagem ou promessa de vantagem foi por ela solicitada ou recebida.

Para o ministro, ao não determinar como e de que modo a acusada recebeu ou aceitou promessa de vantagem pecuniária a acusação não se enquadra no tipo de corrupção passiva. "A falta de especificação dos crimes impede o exercício da ampla defesa, uma vez que o acusado defende-se dos fatos expostos na acusação, e tanto o recebimento da inicial quanto à prolação de sentença são balizados pelo que foi contido na denúncia", enfatizou o relator em seu voto.

Dessa forma, a Turma, por unanimidade, determinou a anulação da Ação Penal desde o recebimento da denúncia, sem prejuízo do oferecimento de outra de acordo com os requisitos legais. (HC nº 154.307 - com informações do STJ).

terça-feira, 6 de julho de 2010

Homenagem ao Uruguai - parte 01


Amigos,

desde que esta Copa do Mundo começou nada escrevi sobre ela no blog, mas passada a euforia brasileira e a respectiva decepção pela eliminação, resolvi deixar meus registros.

E sinceramente me dei conta que desde o início estou torcendo tanto pela seleção uruguaia quanto pela brasileira. Talvez até mais. E comecei a pensar por que.

Nós gaúchos, temos de fato uma relação verdadeira de irmandade com os uruguaios. Não é de graça que a todos os verões, nossos planos passam por caminhadas a beira-mar na inigualável península de Punta del Leste. Isso para não falar no por-de-sol no Rio da Prata, após as parrilladas e as imbatíveis cervejas charruas. Ainda bem que o Zaffari importa a Zillertal, Patrícia e Norteña. Só falta chegar a Passo Fundo também a Pilsen.   

E o que falar de nossa relação com Rivera? Neste verão passei mais de um mês em Livramento/Rivera e entendi o jeito de ser do uruguaio. Caminhar ao final de uma tarde quente de verão e encontrar uma piscina pública em uma praça foi algo emblemático. Ver a noite dezenas de crianças brincando nos parques sem grades, com as famílias mateando em frente às casas também. E que ninguém diga que vamos até a fronteira da paz apenas para as compras em free shops, do contrário iríamos muito mais ao Paraguai. Mas não, vamos ao Uruguai por que nos sentimos em casa, com os hábitos semelhantes ao nosso, o apego pela tradição e o pago, e isso nos torna todos GAUCHOS.

O fato é que a celeste capitaneada por Fórlan me emociona, e isso escrevo momentos antes da celeste jogar contra a Holanda, algo que não vi nem senti da seleção milionária de Dunga. Alguém aposta que algum jogador brasileiro colocaria a mão naquela bola? A verdade é que os uruguaios não falam mal de seu país, mesmo sabendo das enormes dificuldades que enfrentam, com problemas gravíssimos problemas políticos e sociais.
Como diz Galeano, talvez esse momento tenha a ver com a chegada da esquerda ao poder, com a posse de Tabaré Vasquez, após 30 anos. Nauro Júnior, fotógrafo de ZH, testemunhou este momento: "O povo uruguaio recuperava a sua auto-estima com a conquista de Tabaré. Poucas vezes tive a certeza de que eu estava vivenciando a história, e sendo testemunha ocular dela. Vi jovens escalando a estátua de Artigas na praça Independência, no coração de Montevidéu. Vi senhores de cabeça branca, derramando lágrimas, com a esperança de ter seus filhos de volta à pátria. Vi um povo que ama sua terra, vivento um dos melhores momentos de suas vidas".

O povo uruguaio AMA a sua seleção acima de tudo!!!! AMA a sua tradição!!! AMA seus valores!!!!

Desejo muito que esta seleção passe pela Holanda hoje, e depois no domingo pelas poderosas Alemanha ou Espanha. E isto pelos meus amigos uruguaios que moram em Rivera e Montevideo, Juan, Efraín, Fernando, Karen e Fernanda.

Gostaria muito de estar em Rivera nesta semana para compartilhar um pouco desse espírito!!!!

Avante Celeste!!!

Homenagem ao URUGUAI - parte 02



Amigos,

segue entrevista do maior escritor latino-americano de língua espanhola, como parte da homenagem ao país vizinho e irmão de todos nós gaúchos!!!!



EDUARDO GALEANO


“O Uruguai tem um dever de gratidão com o futebol”

A tarde começava a avisar que o frio não tardaria quando ele abriu a porta do Café Brasilero, fundado em 1877 na nostálgica Ciudad Vieja, em Montevidéu. O local foi um pedido seu. É um pouco a extensão de casa, ainda que ultimamente tenha preferido chá com leite enquanto o velho amigo engraxate (com o qual tem conta: vida de escritor não é de muitos dinheiros) lustra seus sapatos. Era preciso um tradutor à altura deste Uruguai que flana com as façanhas da Celeste que hoje encara a Holanda por vaga na final da Copa do Mundo, 60 anos depois do Maracanazo.



– Olá, você que é o repórter da Zero Hora? Quer um café?



Assim, com a mesma elegância esculpida em 40 livros traduzidos para diversos idiomas, começou a conversa com o jornalista, escritor e ótimo papo Eduardo Hugues Galeano, 69 anos de pura lucidez, talento e, claro, paixão pelo futebol.



Galeano ama o futebol como parte da sua vida, como todos os 3,5 milhões de uruguaios. Histórias como as contadas com entusiasmo incomum nesta entrevista de 50 minutos estão em livro editado pela L&PM, que publica suas obras no Brasil: Futebol ao Sol e à Sombra. Ali, Galeano oferece uma prova da sua obsessão. Uma placa pendurada na porta de casa em períodos de Copa advertiria: “Cerrado por fútbol”. Julguei que fosse lenda. Duvidei.



– Vai lá em casa para ver, então! – respondeu-me Galeano.



Desafiado, fui até a casa no bairro Malvín. E lá estava a placa. Na soleira da porta, bandeiras do Uruguai e do Nacional, time do coração.



Confira, nesta entrevista, o que significa o futebol para os uruguaios, hoje orgulhosos representantes da América do Sul na Copa da África.



Zero Hora – Como explicar esta celebração tão grandiosa dos uruguaios?



Eduardo Galeano – Parece um pouco inexplicável para um país como o Brasil, mais treinado do que nós nesta difícil arte que é ganhar uma Copa do Mundo. Nós temos a de 1930 e o Maracanazo, em 1950. Vocês têm algumas mais (risos). Mas para nós é uma façanha ficar entre os quatro melhores. Chegamos às semifinais em 1954 e 1970. Depois disso, nunca mais.



ZH – O importante nem é tanto ganhar ou perder, a esta altura?



Gaelano – Isso. Claro que é melhor ganhar do que perder. É melhor ser um jovem são do que um velho doente. Sou ruim de datas, mas houve um Mundial Sub-20 (em 1997) em que as pessoas também saíram às ruas e fomos vice. Houve um período longo e triste no qual o futebol uruguaio misturou coragem e violência. A garra charrua foi reduzida a pancadas. Na final de 1950, o Brasil cometeu o dobro de faltas do Uruguai. Foi depois que começamos a nos sujar, entrando nesta história de que ser valente é ser bruto. Por isso a importância desta seleção: ela promove o nosso reencontro com o bom futebol, sem violência e com humildade de espírito.



ZH – Há uma conexão desta celebração com o bom momento político e econômico vivido pelo país?



Galeano – Pode ser. A vitória da Frente Ampla, há alguns anos, abriu perspectivas de mudanças. Mas a verdade é que o nosso país é futebolizado. Os nenês nascem gritando gol. Por isso nossas maternidades são tão barulhentas.



ZH – O que é o futebol para um uruguaio?



Galeano – É uma religião nacional. A única que não tem ateu. Somos poucos: 3,5 milhões. É menos gente do que um bairro de São Paulo. É um país minúsculo. Mas todos futebolizados. Temos um dever de gratidão com o futebol. O Uruguai foi colocado no mapa mundial a partir do bicampeonato olímpico de 1924 e 1928, pelo futebol. Ninguém nos conhecia.



ZH – Houve uma falsa ilusão de que nada podia ser melhor do que o Uruguai, seguida de depressão depois, a partir das tantas vitórias no começo do século passado?



Galeano – Não. No mundo guiado pelas leis do lucro, onde o melhor é quem ganha mais, eu quero ser o pior. Não poderíamos sequer cometer o desagradável pecado da arrogância. Seria ridículo para um país pequeno como o nosso. Não somos importantes, o que é bom. Neste mundo de compra e venda, se você é muito importante vira mercadoria. Está bom assim.



ZH – Mas no futebol mundial há muitos bons jogadores uruguaios.



Galeano – Sim, temos 250 jogadores fora daqui. Mas nenhum Messi, Kaká ou Cristiano Ronaldo. Que, aliás, não vi na Copa. Talvez por que ele tenha passado mais tempo se vendo na TV.



ZH – Nem depois do bi olímpico nos anos 1920, seguido da Copa de 1930, houve euforia?



Galeano – E mais 1950... Não. Festejamos como merecíamos. Obdulio Varela, nosso grande capitão, passou a noite inteira bebendo nos bares do Rio com os vencidos. Este é o Uruguai de verdade: de um homem capaz de passar a noite inteira abraçado aos vencidos. Este é o Uruguai que eu amo. Do contrário, mudaria de país.



ZH – Você o conheceu?



Galeano – Perguntei a ele uma vez: “Obdulio, me diga uma coisa. Prometo não publicar. Você se drogou alguma vez para jogar?” E ele, sério: “Sim: vinho”. Eram outros tempos. E outras pessoas.



ZH – Qual a sua lembrança de 1950?



Galeano – Escutei o jogo pelo rádio. Quando o Brasil abriu o placar, caí de joelhos. Eu era um menino muito católico. Pedi: “Deusinho, faça um milagre, por favor”. Fiz uma promessa. E o Uruguai ganhou. Aí saí para a rua com a população inteira. Até os paralíticos apareceram. Até os mortos ressuscitaram. Festejei a noite inteira e esqueci da promessa. O que me salvou a vida, senão eu seria um destes loucos a vagar pela rua rezando (risos).



ZH – Será que foi por isso que o Uruguai ficou tanto tempo sem ganhar depois?



Galeano – Pode ser... Deus deve ter pensado: “Puxa, neste povo não dá para confiar mesmo” (risos). Mas veja: quando ganhamos muito no começo do século, não foi tão milagre assim. O Uruguai teve jornada de trabalho de oito horas antes dos EUA, voto feminino antes da França, divórcio 60 anos antes da Espanha. Minha avó era divorciada. Tínhamos educação gratuita concedida por um Estado laico.



ZH – E admitiu negros no começo do século passado.



Galeano – Fomos a primeira seleção a admitir negros, em 1916. O primeiro poema da história da literatura foi feito pelo peruano Jose Parra para Andrade, ídolo nosso nos anos 1920 e na Copa de 1930, chamado pelos franceses de “A Maravilha Negra”. Fomos precursores em muitas coisas. Inclusive na criação de um futebol inexplicável.



ZH – É possível ser campeão do mundo de novo?



Galeano – Tenho um amigo técnico que me disse certa vez uma frase inesquecível: o futebol é um reino mágico, onde tudo pode acontecer. Então o Uruguai pode ganhar da Holanda e depois vencer da Espanha ou Alemanha. Seria maravilhoso, porque o bom que a vida tem é a capacidade de sofrer. Se fosse tudo previsível não teria graça.



brasilnaafrica.com.br



> Direto do Uruguai, Diogo Olivier e Nauro Júnior mostram o clima da torcida em vídeo. Assista em www.brasilnaafrica.com.br





DIOGO OLIVIER
Enviado Especial/Montevidéu