terça-feira, 6 de julho de 2010

Homenagem ao URUGUAI - parte 02



Amigos,

segue entrevista do maior escritor latino-americano de língua espanhola, como parte da homenagem ao país vizinho e irmão de todos nós gaúchos!!!!



EDUARDO GALEANO


“O Uruguai tem um dever de gratidão com o futebol”

A tarde começava a avisar que o frio não tardaria quando ele abriu a porta do Café Brasilero, fundado em 1877 na nostálgica Ciudad Vieja, em Montevidéu. O local foi um pedido seu. É um pouco a extensão de casa, ainda que ultimamente tenha preferido chá com leite enquanto o velho amigo engraxate (com o qual tem conta: vida de escritor não é de muitos dinheiros) lustra seus sapatos. Era preciso um tradutor à altura deste Uruguai que flana com as façanhas da Celeste que hoje encara a Holanda por vaga na final da Copa do Mundo, 60 anos depois do Maracanazo.



– Olá, você que é o repórter da Zero Hora? Quer um café?



Assim, com a mesma elegância esculpida em 40 livros traduzidos para diversos idiomas, começou a conversa com o jornalista, escritor e ótimo papo Eduardo Hugues Galeano, 69 anos de pura lucidez, talento e, claro, paixão pelo futebol.



Galeano ama o futebol como parte da sua vida, como todos os 3,5 milhões de uruguaios. Histórias como as contadas com entusiasmo incomum nesta entrevista de 50 minutos estão em livro editado pela L&PM, que publica suas obras no Brasil: Futebol ao Sol e à Sombra. Ali, Galeano oferece uma prova da sua obsessão. Uma placa pendurada na porta de casa em períodos de Copa advertiria: “Cerrado por fútbol”. Julguei que fosse lenda. Duvidei.



– Vai lá em casa para ver, então! – respondeu-me Galeano.



Desafiado, fui até a casa no bairro Malvín. E lá estava a placa. Na soleira da porta, bandeiras do Uruguai e do Nacional, time do coração.



Confira, nesta entrevista, o que significa o futebol para os uruguaios, hoje orgulhosos representantes da América do Sul na Copa da África.



Zero Hora – Como explicar esta celebração tão grandiosa dos uruguaios?



Eduardo Galeano – Parece um pouco inexplicável para um país como o Brasil, mais treinado do que nós nesta difícil arte que é ganhar uma Copa do Mundo. Nós temos a de 1930 e o Maracanazo, em 1950. Vocês têm algumas mais (risos). Mas para nós é uma façanha ficar entre os quatro melhores. Chegamos às semifinais em 1954 e 1970. Depois disso, nunca mais.



ZH – O importante nem é tanto ganhar ou perder, a esta altura?



Gaelano – Isso. Claro que é melhor ganhar do que perder. É melhor ser um jovem são do que um velho doente. Sou ruim de datas, mas houve um Mundial Sub-20 (em 1997) em que as pessoas também saíram às ruas e fomos vice. Houve um período longo e triste no qual o futebol uruguaio misturou coragem e violência. A garra charrua foi reduzida a pancadas. Na final de 1950, o Brasil cometeu o dobro de faltas do Uruguai. Foi depois que começamos a nos sujar, entrando nesta história de que ser valente é ser bruto. Por isso a importância desta seleção: ela promove o nosso reencontro com o bom futebol, sem violência e com humildade de espírito.



ZH – Há uma conexão desta celebração com o bom momento político e econômico vivido pelo país?



Galeano – Pode ser. A vitória da Frente Ampla, há alguns anos, abriu perspectivas de mudanças. Mas a verdade é que o nosso país é futebolizado. Os nenês nascem gritando gol. Por isso nossas maternidades são tão barulhentas.



ZH – O que é o futebol para um uruguaio?



Galeano – É uma religião nacional. A única que não tem ateu. Somos poucos: 3,5 milhões. É menos gente do que um bairro de São Paulo. É um país minúsculo. Mas todos futebolizados. Temos um dever de gratidão com o futebol. O Uruguai foi colocado no mapa mundial a partir do bicampeonato olímpico de 1924 e 1928, pelo futebol. Ninguém nos conhecia.



ZH – Houve uma falsa ilusão de que nada podia ser melhor do que o Uruguai, seguida de depressão depois, a partir das tantas vitórias no começo do século passado?



Galeano – Não. No mundo guiado pelas leis do lucro, onde o melhor é quem ganha mais, eu quero ser o pior. Não poderíamos sequer cometer o desagradável pecado da arrogância. Seria ridículo para um país pequeno como o nosso. Não somos importantes, o que é bom. Neste mundo de compra e venda, se você é muito importante vira mercadoria. Está bom assim.



ZH – Mas no futebol mundial há muitos bons jogadores uruguaios.



Galeano – Sim, temos 250 jogadores fora daqui. Mas nenhum Messi, Kaká ou Cristiano Ronaldo. Que, aliás, não vi na Copa. Talvez por que ele tenha passado mais tempo se vendo na TV.



ZH – Nem depois do bi olímpico nos anos 1920, seguido da Copa de 1930, houve euforia?



Galeano – E mais 1950... Não. Festejamos como merecíamos. Obdulio Varela, nosso grande capitão, passou a noite inteira bebendo nos bares do Rio com os vencidos. Este é o Uruguai de verdade: de um homem capaz de passar a noite inteira abraçado aos vencidos. Este é o Uruguai que eu amo. Do contrário, mudaria de país.



ZH – Você o conheceu?



Galeano – Perguntei a ele uma vez: “Obdulio, me diga uma coisa. Prometo não publicar. Você se drogou alguma vez para jogar?” E ele, sério: “Sim: vinho”. Eram outros tempos. E outras pessoas.



ZH – Qual a sua lembrança de 1950?



Galeano – Escutei o jogo pelo rádio. Quando o Brasil abriu o placar, caí de joelhos. Eu era um menino muito católico. Pedi: “Deusinho, faça um milagre, por favor”. Fiz uma promessa. E o Uruguai ganhou. Aí saí para a rua com a população inteira. Até os paralíticos apareceram. Até os mortos ressuscitaram. Festejei a noite inteira e esqueci da promessa. O que me salvou a vida, senão eu seria um destes loucos a vagar pela rua rezando (risos).



ZH – Será que foi por isso que o Uruguai ficou tanto tempo sem ganhar depois?



Galeano – Pode ser... Deus deve ter pensado: “Puxa, neste povo não dá para confiar mesmo” (risos). Mas veja: quando ganhamos muito no começo do século, não foi tão milagre assim. O Uruguai teve jornada de trabalho de oito horas antes dos EUA, voto feminino antes da França, divórcio 60 anos antes da Espanha. Minha avó era divorciada. Tínhamos educação gratuita concedida por um Estado laico.



ZH – E admitiu negros no começo do século passado.



Galeano – Fomos a primeira seleção a admitir negros, em 1916. O primeiro poema da história da literatura foi feito pelo peruano Jose Parra para Andrade, ídolo nosso nos anos 1920 e na Copa de 1930, chamado pelos franceses de “A Maravilha Negra”. Fomos precursores em muitas coisas. Inclusive na criação de um futebol inexplicável.



ZH – É possível ser campeão do mundo de novo?



Galeano – Tenho um amigo técnico que me disse certa vez uma frase inesquecível: o futebol é um reino mágico, onde tudo pode acontecer. Então o Uruguai pode ganhar da Holanda e depois vencer da Espanha ou Alemanha. Seria maravilhoso, porque o bom que a vida tem é a capacidade de sofrer. Se fosse tudo previsível não teria graça.



brasilnaafrica.com.br



> Direto do Uruguai, Diogo Olivier e Nauro Júnior mostram o clima da torcida em vídeo. Assista em www.brasilnaafrica.com.br





DIOGO OLIVIER
Enviado Especial/Montevidéu

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