quarta-feira, 29 de abril de 2009

Uso de algemas em sala de audiência deve estar de acordo com a Súmula Vinculante n. 11 do Supremo Tribunal Federal

Amigos,

segue abaixo colaboração da Profa. Renata Almeida da Costa no que diz respeito a recente julgamento oriundo da Quinta Câmara Criminal do TJRS sobre o uso de algemas em audiência. Entendeu por unanimidade que em não havendo a observância da Súmula Vinculante N.11 do STF, deve-se anular todos os atos viciados a partir desta irregularidade.

Abraço a todos,

Prof. Luiz Fernando




Roubo majorado e falsa identidade. Preliminares de nulidade. 1. Presentes, na audiência de instrução e julgamento, as partes, o fato de o Juiz ter se antecipado no questionar as testemunhas e vítimas sobre os fatos importa em mera irregularidade. Equidistância do Juiz preservada, na espécie. Situação diversa daquela em que, por ausente o Ministério Público, o Juiz, ainda que obliquamente, termina assumindo as vezes do acusador e por ele passa a produzir a prova. 2. Réus retirados da sala de audiências a pedido da vítima. Procedimento comum e em conformidade com dispositivo legal (art. 217, CPP). Cerceamento de defesa não caracterizado. 3. Acusados mantidos algemados durante a audiência de instrução, “por questão de segurança”. Motivação genérica, lacônica, impessoal e insuficiente a configurar a excepcionalidade prevista no enunciado sumular. Súmula Vinculante nº 11 do STF descumprida. Nulidade acolhida. Apelo defensivo provido para anular a instrução criminal, prejudicado o ministerial. Unânime.
Apelação Crime
Quinta Câmara Criminal
Nº 70028700870
Comarca de Viamão
MINISTéRIO PúBLICO,
APELANTE/APELADO;
MIGUEL BATISTA FERREIRA MACHADO,
APELANTE/APELADO;
RAFAEL MOLINARI DE OLIVEIRA,
APELANTE.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Quinta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, na conformidade do voto do relator, em, por descumprida a Súmula Vinculante nº 11 do STF, dar provimento ao apelo defensivo para anular o processo a partir da audiência de instrução e julgamento, inclusive (fls. 239/242 e 248/269), determinando a renovação da solenidade, durante a qual deverão os acusados, em ausente fato novo a desautorizar a medida, permanecer sem algemas, prejudicado o exame do apelo ministerial.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores Des. Amilton Bueno de Carvalho e Des.ª Genacéia da Silva Alberton.
Porto Alegre, 29 de abril de 2009.
DES. LUÍS GONZAGA DA SILVA MOURA,
Presidente e Relator.
RELATÓRIO
Des. Luís Gonzaga da Silva Moura (RELATOR)
Rafael Molinari de Oliveira, com 20 anos de idade, e Altair Martins Ferreira foram denunciados como incursos nas sanções do artigo 157, § 2º, incisos I e II, do Código Penal, pelo cometimento do fato delituoso, que assim veio descrito na exordial acusatória:
“No dia 16 de maio de 2008, por volta das 23 horas, na Rua Elza Andreata da Rosa, em Viamão/RS, os denunciados RAFAEL MOLINARI DE OLIVEIRA e ALTAIR MARTINS FERREIRA, em comunhão de esforços e conjugação de vontades, mediante grave ameaça, perpetrada pelo uso de duas armas de fogo (não-apreendidas) subtraíram, para si, uma motocicleta, Honda/CG, cor preta, de placas IMW 5392, pertencente à vítima LEONARDO (...).
Na ocasião, a vítima, que é ‘moto-boy’, foi solicitada para fazer uma entrega no endereço acima referido, momento em que foi abordada pelos acusados, os quais apontaram as armas para sua cabeça. Ato contínuo, os acusados exigiram que a vítima lhes entregasse o dinheiro, o capacete, bem como a motocicleta. A vítima obedeceu as ordens dos denunciados e desceu da motocicleta. A seguir, os acusados subiram no veículo e empreenderam fuga do local.
A vítima relatou o fato a alguns amigos, que acionaram a Brigada Militar. Logo após o comunicado, os acusados passaram pela guarnição, tripulando a referida motocicleta. Ato contínuo, os policiais saíram em perseguição dos denunciados, tendo o acusado RAFAEL perdido o controle do veículo. A seguir, o acusado RAFAEL foi abordado pelos policiais, e o acusado ALTAIR empreendeu fuga, sendo detido por populares na Rua Engenheiro Guimarães, nesta Cidade. Os acusados foram presos em flagrante e conduzidos à Delegacia de Polícia para lavratura do auto.
A res furtiva foi apreendida conforme auto de fl. 16.”
A denúncia foi recebida em 02 de junho de 2008 (fls. 89).
A seguir, o Ministério Público ofereceu aditamento à denúncia (fls. 101/104), para retificar o nome do denunciado Altair Martins Ferreira para Miguel Batista Ferreira Machado, dando-o, então, como incurso nas sanções dos artigos 157, § 2º, incisos I e II, e 307, caput, na forma do artigo 69, todos do Código Penal. A narrativa acusatória foi alterada e os fatos delituosos assim passaram a ser descritos:
“FATO 1:
No dia 16 de maio de 2008, por volta das 23 horas, na Rua Elza Andreata da Rosa, em Viamão/RS, os denunciados RAFAEL MOLINARI DE OLIVIERA e MIGUEL BATISTA FERREIRA MACHADO, em comunhão de esforços e conjugação de vontades, mediante grave ameaça, perpetrada pelo uso de duas armas de fogo (não apreendidas) subtraíram, para si, uma motocicleta, Honda/CG, cor preta, de placas IMW 5392, pertencente à vítima LEONARDO (...).
Na ocasião, a vítima, que é ‘moto-boy’, foi solicitada para fazer uma entrega no endereço acima referido, momento em que foi abordada pelos acusados, os quais apontaram as armas para sua cabeça. Ato contínuo, os acusados exigiram que a vítima lhes entregasse o dinheiro, o capacete, bem como a motocicleta. A vítima obedeceu as ordens dos denunciados e desceu da motocicleta. A seguir, os acusados subiram no veículo e empreenderam fuga do local.
A vítima relatou o fato a alguns amigos, que acionaram a Brigada Militar. Logo após o comunicado, os acusados passaram pela guarnição, tripulando a referida motocicleta. Ato contínuo, os policiais saíram em perseguição dos denunciados, tendo o acusado RAFAEL perdido o controle do veículo. A seguir, o denunciado RAFAEL foi abordado pelos policiais, e o acusado MIGUEL empreendeu fuga, sendo detido por populares na Rua Engenheiro Guimarães, nesta Cidade. Os acusados foram presos em flagrante e conduzidos à Delegacia de Polícia para lavratura do auto.
A res furtiva foi apreendida conforme auto da fl. 16.
FATO 2:
Nas mesmas circunstâncias de tempo e local acima descritos, o denunciado MIGUEL BATISTA FERREIRA MACHADO atribuiu a si falsa identidade para obter vantagem em proveito próprio, ou seja, dificultar as investigações policiais e a apuração do crime acima narrado, apresentando-se como Altair Martins Ferreira.
A verdadeira identificação do acusado MIGUEL apenas foi descoberta por meio de pesquisa realizada pela SUSEPE, quando deu entrada no Presídio Central.”
O aditamento à denúncia foi recebido em 25 de junho de 2008 (fl. 110).
Citados (fls. 108vº e 134vº), os acusados foram interrogados (fls. 117/118 e 119/120).
Oferecida a defesa preliminar (fls. 212/214), seguiu-se a instrução. Ao fim, a defesa ratificou os interrogatórios anteriores. Após os debates orais (fls. 268 e 269), sobreveio sentença (fls. 277/293), julgando parcialmente procedente a ação penal, para condenar Rafael Molinari de Oliveira e Miguel Batista Ferreira Machado como incursos nas sanções do artigo 157, § 2º, incisos I e II, do Código Penal.
Eis os apenamentos cominados aos condenados:
Em relação ao réu Rafael, a pena-base foi fixada em 04 (quatro) anos e 09 (nove) meses de reclusão, a qual foi aumentada em 1/3 (um terço), em razão da qualificadora do emprego de arma, restando definitiva em 06 (seis) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, a ser cumprida em regime semiaberto. A sanção pecuniária foi arbitrada em 30 (trinta) dias-multa, ao valor unitário de 1/30 do salário mínimo vigente à época do fato.
Quanto ao réu Miguel, a pena-base foi fixada em 04 (quatro) anos e 09 (nove) meses de reclusão, elevada em 06 (seis) meses, em razão da agravante da reincidência, e acrescida de 1/3 (um terço), pela majorante admitida, restando definitiva em 07 (sete) anos de reclusão, a ser cumprida em regime fechado. A sanção pecuniária foi arbitrada em 30 (trinta) dias-multa, à razão de 1/30 do salário mínimo vigente à época do fato.
A publicação do ato sentencial ocorreu em 13 de novembro de 2008 (fls. 294).
O Ministério Público interpôs apelação (fls. 301vº). Nas razões, postulou a reforma parcial da sentença, para o fim de ver o acusado Miguel condenado também pelo delito de falsa identidade. Para tanto, alegou, em síntese, que a materialidade e a autoria deste fato-crime restaram devidamente comprovadas nos autos (fls. 306/310).
A defesa também interpôs apelação (fls. 311vº). Nas razões, argüiu, preliminarmente, a nulidade do processo. No mérito, postulou a absolvição dos acusados, defendendo, em síntese, a tese da insuficiência probatória quanto à autoria do delito. Alternativamente, requereu: (a) o reconhecimento do furto de uso; (b) a redução da pena; (c) o afastamento das qualificadoras do emprego de arma e do concurso de agentes, bem como da agravante da reincidência e; (d) o reconhecimento da atenuante da confissão espontânea e da forma tentada do delito (fls. 313/321).
Após as contrarrazões (fls. 323/324 e 325/342), subiram os autos.
Nesta instância, emitindo parecer, o Dr. Edgar Luiz de Magalhães Tweedie, Procurador de Justiça, opinou pelo provimento do apelo ministerial e pelo parcial provimento do apelo defensivo, para o fim único de ser reconhecida a atenuante da menoridade em favor do réu Rafael Molinari de Oliveira (fls. 349/354).
É o relatório.
VOTOS
Des. Luís Gonzaga da Silva Moura (RELATOR)
Examino as preliminares trazidas pela defesa.
1. O fato de o Juiz ter antecedido às partes no questionamento às testemunhas e vítimas importou em mera irregularidade. Na realidade, houve, na espécie, uma (irrelevante) inversão da ordem estabelecida no artigo 212, caput e parágrafo único, do Código de Processo Penal, de modo que o Juiz, ao invés de complementar a direta inquirição das partes, aclarando eventuais pontos obscuros dos depoimentos, buscou fazer a testemunha, desde logo e de forma ampla, esclarecer o que sabia sobre os fatos, deixando os questionamentos específicos a cargo da acusação e da defesa.
A situação, aqui, difere da ocorrida na Apelação Crime nº 70028349843, julgada em 18.03.20091. Lá o Juiz não se limitou a se antecipar no questionar à testemunha. Foi além, na medida em que, por ausente o Ministério Público, assumiu o Julgador, ainda que obliquamente, as vezes do acusador oficial, passando por ele a produzir prova, com o que abandonada a equidistância que deve manter entre as partes.
In casu, o agente ministerial fez-se presente na audiência e desincumbiu-se de colher a prova acusatória, como faz certo o termo das fls. 239/241 e 248/269, ou seja, a equidistância da autoridade judiciária restou preservada. Nulidade, portanto, não há.
2. Ausente, ainda, o cerceamento defensivo alegado pela defesa, na medida em que, aqui, a retirada dos acusados da sala de audiência, durante a oitiva da vítima, estava autorizada pelo artigo 217 do Código de Processo Penal - não dispõe a 2ª Vara Criminal da Comarca de Viamão do sistema de videoconferência - e foi devidamente motivada pela Magistrada, ou seja, o manifestado temor do ofendido com a presença dos réus (fls. 240).
3. No entanto, no que diz com o uso de algemas pelos réus, durante a audiência de instrução e julgamento, tenho que assiste razão à defesa.
É que, ao meu olhar, vênia da Colega singular que presidiu o ato, houve, na espécie, descumprimento da Súmula Vinculante nº 11 do STF: “Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.”

Com efeito, na audiência os acusados foram apresentados algemados, e assim permaneceram durante toda a solenidade, não obstante pedido expresso da defesa para que fossem desalgemados, concedendo a Magistrada, apenas, que as algemas fossem postas para frente, “mas não retiradas por questões de segurança” (sic, fls. 240).
A fundamentação oferecida, renovada vênia, por genérica, lacônica e impessoal, não se apresenta aceitável e suficiente. Admiti-la é permitir que todo e qualquer réu preso, independentemente de seu perfil pessoal - ser ou não perigoso, de modo a oferecer risco a outrem; haver ou não (concreto) receio de fuga -, obrigatoriamente, permaneça algemado nas audiências realizadas em Viamão. Aliás, tal situação, na comarca, se não é a regra, vem ocorrendo com freqüência maior que o comum, bastando referir que na sessão de hoje há outros dois processos de lá oriundos (nº 70028761450 e 70028751154) em que os acusados foram mantidos algemados durante a instrução criminal.

Evidente que a motivação apresentada, por estranha à pessoa dos acusados - índoles e desvirtudes -, não se enquadra nas excepcionalidades consagradas no enunciado da súmula referida: “casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros”. O certo é que a decisão singular não aponta os réus como pessoas perigosas, que representem uma ameaça a si próprios ou a integridade física dos demais presentes na solenidade. E nem há nos autos nenhum dado concreto que leve a presumir que, sem algemas, os acusados constituíam um risco à segurança e à ordem da audiência que se realizava.
Mais, “por questão de segurança” é expressão por demais vaga e abstrata que nada justifica ou esclarece. Qual seria esta “questão de segurança”? A decisão das fls. 240 não a especificou. A sentença procurou contornar a omissão. Acenou com “a precariedade dos meios técnicos disponíveis aos agentes da SUSEPE, e também a própria falta de agentes” (fls. 281). Contudo, a situação alegada não foi criada pelos acusados, não sendo lícito nem ético que venham a ser sacrificados em sua dignidade pessoal, por conta da deficiência do Estado em prover a SUSEPE do número adequados de agentes, de modo a atender os requisitos mínimos de segurança. Depois, a frustrada tentativa de fuga dum outro réu, quando desembarcava da viatura da SUSEPE, em outro momento temporal, não é situação que se preste a justificar o manter algemados os ora acusados (e todos os outros réus presos), durante as audiências.
O prejuízo à defesa é manifesto. Amplia a possibilidade de sugestionamento das vítimas e testemunhas, principalmente, em casos de reconhecimento. E outro não é o quadro dos autos. Dois indivíduos com as mãos algemadas pela frente são colocados junto com outros quatro rapazes que não usam algemas (fls. 241). Não é difícil prever contra quem, em caso de eventual dúvida do reconhecedor, ela será resolvida.
Com estas considerações, por descumprida a Súmula Vinculante nº 11 do STF, dou provimento ao apelo defensivo para anular o processo a partir da audiência de instrução e julgamento, inclusive (fls. 239/242 e 248/269), determinando a renovação da solenidade, durante a qual deverão os acusados, em ausente fato novo a desautorizar a medida, permanecer sem algemas, prejudicado o exame do apelo ministerial.
Por vencido o prazo de prisão cautelar, concedo aos acusados a liberdade provisória, mediante o compromisso de estilo, devendo ganharem a liberdade, se por outro motivo não estiverem presos.
O Juízo de origem expedirá os alvarás de solturas e providenciará na comunicação do artigo 201, § 2º, do Código de Processo Penal.
É o voto.
Des. Amilton Bueno de Carvalho (REVISOR) - De acordo.
Des.ª Genacéia da Silva Alberton - De acordo.
DES. LUÍS GONZAGA DA SILVA MOURA - Presidente - Apelação Crime nº 70028700870, Comarca de Viamão: "À UNANIMIDADE, POR DESCUMPRIDA A SÚMULA VINCULANTE Nº 11 DO STF, DERAM PROVIMENTO AO APELO DEFENSIVO PARA ANULAR O PROCESSO A PARTIR DA AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO, INCLUSIVE (FLS. 239/242 E 248/269), DETERMINANDO A RENOVAÇÃO DA SOLENIDADE, DURANTE A QUAL DEVERÃO OS ACUSADOS, EM AUSENTE FATO NOVO A DESAUTORIZAR A MEDIDA, PERMANECER SEM ALGEMAS, PREJUDICADO O EXAME DO APELO MINISTERIAL.” Concederam a liberdade provisória, mediante o compromisso de estilo, devendo ser os acusados colocados em liberdade, se por outro motivo não estiverem presos. O Juízo de origem expedirá os alvarás de soltura e providenciará na comunicação do artigo 201, § 2º, do Código de Processo Penal.
Julgadora de 1º Grau: ANDREA MARODIN FERREIRA HOFMEISTER

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